segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Metade.
Que a força do medo que eu tenho,
não me impeça de ver o que anseio.


Que a morte de tudo o que acredito
não me tape os ouvidos e a boca.


Porque metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio...


Que a música que eu ouço ao longe,
seja linda, ainda que triste...


Que a mulher que eu amo
seja para sempre amada
mesmo que distante.


Porque metade de mim é partida,
mas a outra metade é saudade.


Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece
e nem repetidas com fervor,
apenas respeitadas,
como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos.


Porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.


Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz
que eu mereço.


E que essa tensão
que me corrói por dentro
seja um dia recompensada.


Porque metade de mim é o que eu penso,
mas a outra metade é um vulcão.


Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável.


Que o espelho reflita em meu rosto,
um doce sorriso,
que me lembro ter dado na infância.


Porque metade de mim
é a lembrança do que fui,
a outra metade eu não sei.


Que não seja preciso
mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.


E que o teu silêncio
me fale cada vez mais.


Porque metade de mim
é abrigo, mas a outra metade é cansaço.


Que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saiba.


E que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade
para fazê-la florescer.


Porque metade de mim é platéia
e a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada.


Porque metade de mim é amor,
e a outra metade...
também.
(Ferreira Gullar ♥ )

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